Nhoque da Tsé pra juntar a família na cozinha

Nhoque da Tsé pra juntar a família na cozinha
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Por Rita Lobo - 01 de outubro de 2017


Do lado do meu pai, a minha família é bem grande. A minha avó Rita teve dez filhos, e eu tenho quase trinta primos-irmãos. É um montão de gente. Na minha infância, comia-se muito bem na casa dela. Mas tinha uma espécie de divisão entre cozinha e sala de jantar, sabe como é? A cozinha era domínio das cozinheiras, e crianças eram praticamente proibidas de ultrapassar o limite da porta.

Já na família da minha mãe, as proporções eram mais comuns. Ela tem dois irmãos, e eu tenho apenas três primas. A cozinha na casa da vovó Julia era uma extensão da sala. Ela cozinhava, e a gente ficava por ali.

Quando eu era pequena, sonhava em formar uma família que fosse um pouco das duas coisas: grande como a da vó Rita, e que todo mundo entrasse na cozinha, como na da vó Julia. E, dependendo do ângulo, dá para dizer que eu consegui as duas coisas – ou que eu não consegui nenhuma.

Vamos analisar. Tenho dois filhos, apenas. Mas também tenho duas enteadas. O potencial de cozinha cheia aumenta significativamente, certo? No fim de semana, que é quando todo mundo tem mais tempo para cozinhar, quem comanda o fogão é o meu marido. E ele cozinha direitinho... exceto quando estou por perto! Não sei bem o que acontece, se ele fica inseguro, mas tudo ele me pergunta. As crianças, que não são mais tão crianças assim, participam. Ficam todos ao redor da bancada. Mas eu mesma tenho que ficar de longe, só olhando – caso contrário, o Ilan parece que não consegue cozinhar. Mesmo assim, eu diria que eu realizei esse sonho, de colocar uma família grande na cozinha.

Esta semana, no Cozinha Prática, pego uma memória emprestada do meu marido, que além de marido é meu parceiro na realização de tantos outros sonhos. Ele conta que, ainda pequeninho, adorava quando chegava na casa da avó – a Tsecha –, e ela estava na cozinha, preparando nhoque. Ela fazia a massa, ele enrolava, cortava e se sentia superimportante por ajudar numa tarefa de gente grande. No caso dele, porém, acho que era mais do que isso: a avó do meu marido era uma espécie de heroína, uma daquelas pessoas que a gente só vê em filme. Ela foi uma das mulheres mais fortes que conheci.

É em homenagem à Tsecha que preparo não apenas uma versão de nhoque, mas três, todos com a massa tradicional de batata, mas com sugestões de molhos diferentes.

As receitas do episódio

Nhoque com molho de cebolas caramelizadas

Nhoque gratinado com burrata

Nhoque com molho de manteiga, sálvia e nozes

Tão forte e tão doce

Toda semana escrevo aqui no blog um pouco do que vai rolar no programa – e acabo comentando sobre algum assunto paralelo. Mas nunca sobre a mesma história que conto no programa. São linguagens diferentes, formatos completamente diferentes. Porém, da temporada toda, este foi o único episódio em que a emoção não me deixou gravar até o fim. Tentei várias vezes, mas simplesmente não consegui. Por isso, resolvi contar aqui também um pouco da história da avó do meu marido, que inspirou o episódio da semana. Aos treze anos, a Tsecha viu a mãe pela última vez, antes de a família toda ser levada para um campo de extermínio. Durante os cinco anos seguintes, ela enfrentou a fome, o frio e o medo, para se esconder dos nazistas na Polônia.

A Tsecha sobreviveu ao Holocausto e, apesar de ter sofrido todos os horrores da guerra, foi uma mulher doce. Tão forte e tão doce ao mesmo tempo.

Ao contrário de mim, durante a adolescência ela não podia sonhar com uma família grande – muito menos em levar todo mundo para a cozinha. Ao contrário do meu marido, que guarda tantas lembranças da infância com a avó, ela teve que esquecer as memórias para sobreviver. Mas ela construiu o futuro: casou, teve uma filha, veio para o Brasil, teve outro filho, depois, netos, bisnetos e agregados, como eu. Uma família grande, que gostava do nhoque e adorava a companhia dela, mas que não se espantava quando ela discretamente pegava a bengala e fugia do almoço para encontrar as amigas no café, do outro lado da rua. Ela morreu há quase dois anos, aos oitenta e oito. E hoje, com esse nhoque, vai me ajudar a levar todo mundo para a cozinha.

O episódio inédito do Cozinha Prática com Rita Lobo vai ao ar às segundas-feiras, 20h, no canal a cabo GNT. Reapresentações: quinta (10h30 e 23h30), sexta (17h30), sábado (12h) e domingo (16h30).

O Cozinha Prática é uma produção do Estúdio Panelinha.