A mesa em tempos de crise

A mesa em tempos de crise
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Por Rita Lobo - 28 de dezembro de 2008


Livros estão no topo da lista de presentes mais trocados entre os meus familiares. Em qualquer data comemorativa. Por algum motivo estranho, porém, neste Natal, não ganhei nenhum. Quer dizer, nem tão estranho assim: combinamos que só as crianças iriam receber presentes. Mas para minha mãe, independentemente da idade dos filhos, entramos na categoria crianças; então, uma chance para você adivinhar o que eu ganhei dela, além dos vinhos obrigatórios. Vamos lá... Se você lê o blog com alguma freqüência, não será difícil. Um pijama! Por sinal, bem bonitinho. Já está em uso. Já tenho um pijaminha novo, mas estou sem livro para ler na cama.

Ontem, recorri à minha estante em busca de uma leiturinha fácil para a hora de dormir. Passei o olho para cá e para lá, uni, duni, te... Nada. Até pensei em reler O Pedante na Cozinha, de Julian Barnes. Sem dúvida, a melhor leitura de 2008. Mas emprestei para uma amiga. É que gostei tanto, tanto, que comecei a achar que, sem saber, o autor havia escrito para mim. Pedi a ela que lesse e avaliasse se o livro é mesmo bom ou se são meus olhos; ela nunca terminou ou não quis comentar, não devolveu, e eu continuo sem saber se o livro é bom para todos ou só para mim.

Olhei mais um pouquinho e parei num livro que, pelo título, suponho, já ganhei uns quatro: How to Cook a Wolf, um clássico da literatura culinária, escrito por MFK Fisher, talvez a maior autora do gênero. Infelizmente, nenhuma das pessoas que me presentearam sabiam da existência da tradução, Como Cozinhar um Lobo, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Resolvi reler. Levei um susto logo nas primeiras páginas.

Ele foi escrito durante o racionamento da Segunda Guerra. É sobre comer bem em tempos difíceis, de escassez. Um choque como um livro de 1942 seja tão atual em 2008, quase 2009. Há conceitos perfeitos para o momento em que vivemos. Apesar da suposta blindagem brasileira (sei, sei), acho difícil que a crise não chegue à mesa. Até por princípios. Estamos todos repensando os nossos orçamentos, cortando os excessos, reavaliando as necessidades, nos preparando para o inverno, mesmo sonhando com o verão, e aprendendo a conviver com as incertezas da existência explicitadas por uma crise financeira.

No primeiro capítulo, Fisher questiona o conceito nutricional da refeição balanceada para concluir que o melhor é “balancear o dia, e não cada refeição do dia”. Não é uma proposta excelente para qualquer que seja a situação financeira da pessoa? E também funciona para quem trabalha fora, para quem não sai de casa, para quem gosta de comer bem, para quem come por obrigação.

Às vezes, chego em casa para almoçar e fico abalada com a minha própria mesa: arroz, lentilha, tabule, sobrecoxa de frango assada com batatas, um peixinho cozido a vapor com legumes na manteiga e uma salada de folhas verdes. Já cansei de explicar que não precisa, e não pode, fazer esse tanto de comida. Tenho pavor de servir dois tipos de carne na mesma refeição. “Ah, mas as crianças não comem...” Não comem porque têm escolha. Acho mais fácil educar crianças do que adultos. Onde já se viu fazer frango e peixe na mesma refeição? Pior: batata e arroz está terminantemente proibido. Administrar, seja lá o que for, requer energia.

Não sei se já contei essa história alguma vez, mas quando eu tinha uns 20 anos, o irmão da minha melhor amiga, que continua sendo a minha amiga da vida toda, ia se casar. A data estava marcada para logo após um feriado prolongado. Minha amiga e eu decidimos passar o feriadão cuidando da beleza num SPA. Explicamos que não queríamos emagrecer, só não engordar. Eram quatro dias. Logo no primeiro, um choque de quantidades. Ou falta dela. A salada resumia-se a umas poucas folhas de alface americana, três fatias finas de pepino, um tomate cereja e um molho, acredito, à base de água. O molho é brincadeira, mas o resto é verdade. Depois tinha o prato principal. Micro. E muita caminhada, ginástica e hidro-ginástica e atividades estranhas que envolviam pedras quentes sobre o corpo e uma musiquinha de fundo com passarinhos e som de cachoeira que nos dava uma vontade incontrolável de ir ao banheiro. Bom, to make a long story short, é claro que a gente só durou dois dias no SPA. Eles não entenderam que nós só queríamos ficar lindas e radiantes para o casamento. Bons tempos. Mas, pela primeira vez na vida, senti na pele, ou no estômago, como somos excessivos na alimentação. Não deixou de ser uma lição.

Equilibrar o dia, em vez da refeição, parece uma boa saída. Em tempos de crise financeira e crise nutricional. Ou a obesidade também não é uma crise americana? De vez em quando, jantar uma fatia de pão com um pedaço de queijo não faz mal a ninguém. Depois falo mais do livro. Enquanto isso, se der para alguém ler O Pedante na Cozinha e comentar comigo, ficarei muito agradecida.