Mãe não é tudo igual

Mãe não é tudo igual
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Por Rita Lobo - 26 de abril de 2021


Tive uma criação feminista. Para minha mãe, meninos e meninas tinham que ter os mesmos direitos. E os mesmos deveres também. Fui educada exatamente como os meus dois irmãos. Mas não sem muita luta por parte da minha mãe, mesmo dentro de casa. Nesse sentido, ela educou os três filhos e o marido também.

Entre mãe e filha, o relacionamento é sempre um pouco mais complexo, apresenta mais desafios. Isto é, pelo menos fora das redes sociais, onde nem tudo é #gratiluz. Principalmente porque entre a infância e a fase adulta, há a adolescência. Ah, a adolescência... Quando a menina é criança, quer ser como a mãe — e o mundo é um lugar tão mais simples e acolhedor. Depois, vem a adolescência e a garota precisa descobrir quem vai ser quando crescer. O primeiro passo é não ser como a mãe. É necessário, mas acredite, o sofrimento é mútuo. (Já estive nos dois lados.)

O tempo passa, e a adolescente pentelha vai se tornando uma moça bacana, com voz própria. Mas ela ainda não está livre dos dilemas dessa relação. Se decidir que ela própria também quer ser mãe, vai conviver com a questão: faço tudo igual ou tudo diferente? Ela quer saber que tipo de mãe vai ser. Porque mãe não é tudo igual. Assim como pai também não é tudo igual. Mas por que será que a frase “pai é tudo igual, só muda de endereço” não existe? (Não é difícil de descobrir a resposta: quem educa os filhos, dia após dia, dizendo as mesmas frases, até que os filhos tenham condições de cuidar deles mesmos?)

As mães educam, cuidam, protegem. Mas nem por isso elas são todas iguais. Inclusive, descobrir o tipo de mãe que você é está longe de ser uma tarefa simples. Você pode até levar a questão para o divã da terapia. Mas a resposta só vai aparecendo, mesmo, nas escolhas mais prosaicas.

Deixo o bebê chorando sozinho no berço ou levo o berço para o meu quarto? Acho ridículo ou divertido mães e filhas vestidas de par de vaso? Vou brigar na escola ou estimulo minha filha a se posicionar? Quando finalmente você sabe o que fazer, o tempo passou tão depressa que seus filhos já estão virando pais e, você, avó.

Quando o meu primeiro filho nasceu, no minuto em que ele nasceu, minha vida se transformou. O parto foi normal, e facílimo — de acordo com a equipe médica. (Claro que você não diria a mesma coisa se, na hora, olhasse para a minha cara.)

Menos de 24 horas depois, minha mãe e eu estávamos no quarto da maternidade, meu bebê dormia no bercinho ao lado da cama. Finalmente, as visitas tinham dado uma trégua. Ufa! (Só com a pandemia as parturientes se livraram daquela enxurrada de amigos e parentes, que esperam ser recebidos com comes, bebes e lembrancinhas, quando você ainda não teve tempo para escovar os dentes.) Minha mãe percebeu a calmaria do quarto e desceu para tomar um café. Um momento histórico! Não o café da minha mãe, porque ela é boa de xícara: desde que meu bebê tinha saído da minha barriga, ele e eu nunca tínhamos estado a sós.

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Ouvi o leve toque-toque na porta, e a enfermeira entrou sorrindo: ‘Mãe...’ Antes que ela continuasse a pergunta, respondi: ela desceu para tomar um cafezinho. Foram alguns segundos de constrangimento, até que eu percebesse que a mãe era eu. Outro momento histórico: a primeira vez que fui chamada de mãe não foi por um filho.

Alguns anos depois, quando a minha filha nasceu, eu já estava escolada. ‘Mãe?’ Sim, a mamãezinha aqui quer mais água... Pode trazer mais uma garrafa? (Amamentar dá uma sede!) Mas, sinceramente, nunca me acostumei com as enfermeiras me chamando de mãe. Já meus filhos, quando me chamam de Rita, tenho vontade de dar um tabefe: é ma-mãe! Ok, pode ser mãe, porque você já tem dezesseis anos, Dora. Mas Rita, nem pensar.

Agora que meus filhos já são grandes (lindos e geniais — sou esse tipo de mãe, sim), estou tentando ensinar meus gatos a miar ‘mamãe, mamãe’. Por ora, sem sucesso. Mas dou notícias. Costumo ser bem sucedida nas minhas empreitadas. (Tive uma educação feminista.) O gato Leo já esboçou um miãe. Já a Lili não está nem perto. Até parou de miar para não correr o risco de me chamar de mãe. Para ela, eu sou apenas uma humana, uma tutora que providencia casa, comida, areia e sofá de linho para arranhar.

Na relação entre mãe e filhos, uma coisa é certa: a pessoa que nasce deve ser o centro do mundo, e a que dá à luz precisa descobrir que não é o centro do mundo. A parentalidade oferece esta oportunidade de transformação, de crescimento para os adultos em geral, homens e mulheres. Mas, como sabemos, não são todas as pessoas que aproveitam essa chance. O que tem de adulto por aí que age como se fosse uma criança mimada... Um estrago para a própria pessoa, que fica com uma personalidade recalcada, sem amigos, que faz de tudo para estragar a alegria dos outros; para a família, que acaba tendo que conviver com o sujeito; e para a sociedade como um todo. Há exemplos desse tipo de pessoa em todos os cantos.

Para você que acabou de nascer e está lendo este texto, tenho uma palavrinha: não se assuste! Entre a infância e a vida adulta tem um longo período de treinamento. Você não vai precisar aprender que não é o centro do mundo da noite para o dia. O treinamento tem até nome, a adolescência.

Você vai sofrer, sua mãe vai sofrer, mas esta é a hora certa. Talvez, quando chegar a sua vez de ser adolescente, o mundo já esteja completamente diferente. Caso ainda existam redes sociais, com pessoas postando fotos de como elas acham que a vida deveria ser, acredite, isso não é nem a realidade delas. A verdade é que é duro nascer, é um parto, mesmo! É difícil crescer e descobrir que, fora o príncipe Charles e a princesa Anne, era uma brincadeira que você era o príncipe ou a princesa da mamãe. Vai ser duro perceber que, na vida real, e até na realeza, além de orgulho, há também inveja nas relações familiares. Além de amor, há também raiva. Além da saudade, há também saco cheio.

A boa notícia é que esse aparente antagonismo é que faz as relações se fortalecerem, dão a chance de os vínculos se fortalecerem, se aprofundarem. De fato, mãe não é tudo igual, assim como as pessoas não são todas iguais. Mas o amor entre mãe e filhos é único. Você nem precisa se esforçar muito para conquistar uma relação de cumplicidade, e muito amor, para a vida toda.

Para as mães que quiserem, lembro que no próximo dia 9 de maio, Dia da Mãe, há uma excelente oportunidade para começar a levar todo mundo para a cozinha. A minha mãe estava certíssima: precisamos educar filhos e filhas (e, em alguns casos, até marido) da mesma forma. Com os mesmos direitos, e também com as mesmas obrigações.