As crianças e os alimentos hiperpalatáveis

As crianças e os alimentos hiperpalatáveis
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Por Alimentação Saudável - 19 de junho de 2017


A história aconteceu mais ou menos assim: uma mãe preparava a lancheira da filha com muitos ultraprocessados. Tinha sempre achocolatado em caixinha, bolo pronto, salgadinho e biscoito recheado de pacote.

Um dia, ela resolveu mudar a situação completamente. Passou a mandar para a escola lanchinhos caseiros e frutas.

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Tempos depois, encontrou a mãe de uma colega de escola da filha e comentou que estava feliz com a mudança que tinha conseguido fazer na lancheira da menina.

A outra mãe riu, disse que estava sabendo e que a filha sempre pedia para comprar biscoitos a mais para a amiga que sentia falta dos sabores ultraprocessados que não apareciam mais na lancheira.

Ou seja: a menina continuava comendo os produtos a que havia se habituado. Isso aconteceu porque, mesmo muito novas, as crianças se acostumam com os alimentos chamados hiperpalatáveis. Depois de anos sendo desenvolvidos pela indústria alimentícia, eles têm uma combinação calculada de sal, açúcar e gordura (em quantidades enormes) que age no cérebro de maneira que nenhum ingrediente de verdade sozinho consegue. E têm também uma série de aditivos que “emprestam” a eles aparência e gosto muito agradáveis, em geral simulando os alimentos de verdade.

O fato é que nenhuma manga, cenoura, tomate ou maçã que venha na lancheira é capaz de produzir tanta felicidade instantânea na menina quanto o biscoito recheado. Por isso, é tão difícil resistir ao pacote, ainda mais se ele vier com o desenho de um dos personagens favoritos da criança.

Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, as crianças são ainda mais facilmente seduzidas pela propaganda do que os adultos e, cada vez mais cedo, viram público-alvo da publicidade de alimentos. "Isso por conta da influência que exercem na escolha das compras das famílias e também porque estão formando hábitos de consumo que poderão prolongar-se pelo resto de suas vidas", diz o Guia.

Os efeitos são bem rápidos: uma criança que toma achocolatado dificilmente vai querer o leite puro ou o suco de laranja natural. Vai achar um sem graça e o outro azedo.

DO MESMO JEITO, AQUELA QUE COME BOLO PRONTO (MUITO, MUITO DOCE) VAI ACHAR O BOLO CASEIRO DESINTERESSANTE. VAI SENTIR FALTA DO AÇÚCAR E DOS SUPERSABORES PRESENTES NO PRODUTO ULTRAPROCESSADO.

Também acontece com o iogurte: tomou aquele cor de rosa sabor "morango", não vai mais querer o natural, sem açúcar.

E é assim que vai se formando um paladar dirigido pela indústria para criar consumidores. Um paladar que vai rejeitar a acidez natural das frutas, o amargor das folhas e a delicadeza das ervas. Esse paladar vai buscar os sabores hiperpalatáveis em tudo – e tome envelope de tempero pronto para "realçar" o sabor do feijão, do arroz e das carnes.

As pesquisas mostram que os efeitos de um estilo de vida associado a uma alimentação baseada em produtos ultraprocessados são claros: sobem sem parar os índices de obesidade, diabetes, hipertensão, doenças do coração e certos tipos de câncer. E muitos desses problemas, que costumavam ser considerados doenças de idosos, atingem agora adultos jovens, adolescentes e até crianças.

A solução? Não existe uma fórmula. Mas paciência, insistência, conversa e comida de verdade todos os dias para todos na casa parece um bom caminho.