Quem diminui o açúcar ganha a sobremesa

Quem diminui o açúcar ganha a sobremesa
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Por Rita Lobo - 16 de janeiro de 2017


Diariamente, aqui no Panelinha, recebemos mensagens com todo tipo de dúvida culinária. Uma, porém, sempre me deixa com a pulga atrás da orelha: “Qual tipo de açúcar é para usar na receita do bolo tal? Vocês não especificaram…”

No nosso entendimento, e no da maioria das pessoas, açúcar é o refinado, porque se fosse para usar o mascavo, ou o de confeiteiro (ou ainda o cristal), estaria especificado. Uma xícara de açúcar de confeiteiro. Digo no meu e no da ‘maioria’, porque é o açúcar mais vendido no país. Mas o curioso para mim é que, se a pessoa sabe que existem tipos de açúcar, não deve ser novata na cozinha; e se não é novata na cozinha, deveria saber que açúcar é açúcar. Pá!

Na cozinha, cada tipo de açúcar tem seu uso, suas vantagens e desvantagens. Quando o assunto é alimentação saudável, porém, o que importa é saber diferenciar:
- o açúcar presente nos alimentos (ex. frutas),
- o ingrediente culinário (ex. bolo caseiro, geleia caseira)
- e o açúcar escondido nos alimentos ultraprocessados.

É nesse último que mora o perigo.

No excelente curso “Introduction to Food and Health” (introdução à alimentação e saúde), Maya Adam, da Universidade de Stanford (Califórnia, EUA), esclarece que o grande problema nos Estados Unidos é o açúcar escondido nos alimentos ultraprocessados – e não o açúcar adicionado em preparações culinárias, como muitas pessoas acreditam. Ele está infiltrado em vários alimentos industrializados, não apenas nos doces. Molho de tomate, molho de salada, lasanha congelada, pão de fôrma. Nos ultraprocessados doces, as quantidades de açúcar podem ser cavalares, inclusive nos produtos que se fantasiam de ‘opções saudáveis’, como muitos dos cereais matinais, iogurtes, sorvetes, etc.

No Brasil, a relação com o açúcar é diferente da americana. O ingrediente faz parte da nossa história e da nossa cultura. Temos que observar com atenção o nosso padrão de consumo para fazer escolher conscientes e garantir uma alimentação saudável de verdade, que não vire neurose. Por aqui, temos um padrão alimentar tradicional, baseado em comida de verdade, feita em casa, e sobremesa faz parte do cardápio.

Já reparou como quase todas as dietas malucas vêm dos Estados Unidos? Tira o glúten, corta o carboidrato, não come mais açúcar. Há uma explicação para isso. Por lá, não existe um padrão alimentar tradicional, como o que temos por aqui – ou como tem os japoneses, franceses, suecos, italianos... A cultura gastronômica ajuda a blindar contra a comida ultraprocessada, o fast food e também contra as dietas. É por isso que a cultura americana tende a abraçar todas, justamente por não haver, em outras palavras, uma dieta tradicional própria. (Dieta é uma palavrinha traiçoeira na língua portuguesa, pois ficou associada a regime, emagrecimento, mas dieta significa um conjunto de alimentos habitualmente consumido por uma pessoa; e padrão alimentar é a dieta de um povo, desenvolvida por centenas de anos, pelas populações.)

Açúcar adicionado
O nosso padrão alimentar tradicional está baseado no arroz com feijão. Aí tem as carnes, os legumes refogadinhos, a farinha e um montão de variações de região para região. E inclui também a sobremesa, os bolos, os pudins. A questão é que, hoje, o brasileiro se exercita muito menos do que há algumas décadas. E alguns hábitos precisam ser revistos. Que fique claro: estou me referindo ao açúcar adicionado, porque se você está seguindo o blog já deve ter cortado os ultraprocessados da lista de compras, certo?

Para começar, pense no tal do cafezinho, símbolo das boas-vindas. Da reunião à loja, qualquer lugar em que a gente pisa, tem sempre alguém oferecendo um cafezinho. Muita gente já cortou o açúcar. É puro, mesmo, sem nada, obrigada. Para quem ainda adoça o café (sim, adoçante também é um problema, muitas vezes, maior), cortar o açúcar (ou adoçante) talvez seja um bom exercício. Por quê?
1. Esse açúcar que você consome diversas vezes ao dia pode valer por uma sobremesa. Pare de adoçar o café e coma a sobremesa depois do almoço com prazer, como deve ser.
2. O açúcar mascara o sabor do café - especialmente dos bons cafés. Somente sem açúcar dá para sentir o gosto da bebida. Está amarga demais? Experimente passar o café com menos pó. Se der, experimente trocar por uma marca menos comercial. Você pode descobrir um universo de sabores no que hoje é apenas uma xícara com um líquido forte e adoçado.

E a sobremesa?
Um assunto tão doce virou polêmico: pode ou não pode? Quanto? Em toda refeição? A melhor resposta que encontrei foi na casa dos meus avós, nos almoços da minha infância.

Ele era médico, ela teve dez filhos (com esse tamanho de família, não precisa fazer mais nada). Os dois viveram bem, com saúde, ele mais magro que ela, mas ambos magros. Ele morreu aos noventa e quatro anos, ela, com noventa e seis. Dos filhos, apenas dois homens ficaram, digamos assim, mais cheinhos depois de velhos. Na casa dos meus avós, sempre tinha sobremesa. Em todas as refeições, era montado no aparador um serviço de compotas de frutas (goiabada ou marmelada ou figo em calda), podia ter ainda doce de leite, ambrosia ou pudim, geralmente de pão, às vezes, de leite, e doce de abóbora tinha sempre. Ah, sim, queijo branco também. Um docinho, para fechar o ritual à mesa, sempre acompanhado de café.

Com o doce assim, inserido no dia a dia, sempre, tenho a impressão de que as pessoas aprendem a comer, sem ficar com aquela fissura. É o oposto de quem se obriga a passar por períodos de restrição intensa: é certeza que vai devorar uma panela de brigadeiro ou um pudim inteiro a qualquer minuto.

Claro que os tempos são outros. As pessoas andam menos, dormem pior, cozinham muito menos e comem mais comida ultraprocessada, que é cheia de açúcar. Não sobra espaço para mais nada. Mas, dentro de uma alimentação saudável de verdade, baseada em alimentos in natura e minimamente processados, cabe uma sobremesa, uma fatia de bolo, desde que feito em casa – ou como me disse certa vez o próprio Michael Pollan, quando esteve no Brasil, “por humanos”. Mas essa é uma outra história, que prometo contar outro dia.

Por ora, minha sugestão é que você elimine os ultraprocessados, corte o excesso de açúcar, mas não passe vontade de comer doce. E risque os adoçantes da alimentação, a não ser que o consumo seja por questões de saúde, diagnosticadas por um médico. Se quiser saber mais sobre a questão do açúcar na alimentação, dê uma espiada nesta série de posts do blog Alimentação Saudável [de verdade], feito em parceria com os pesquisadores do NUPENS (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP), sob a coordenação do professor Carlos Monteiro - que foi também o coordenador do Guia Alimentar para a População Brasileira, lançado pelo Ministério da Saúde.

E separe as frutas e o açúcar, porque esta semana no Cozinha Prática Verão você vai descobrir que trocar a geleia industrializada pela caseira é um ótimo negócio. E não só porque você controla a quantidade de açúcar…

O Cozinha Prática Verão vai ao ar na quinta-feira às 21h15, com reapresentações às sextas (17h15); sábados (10h45 e 21h45); domingos (06h45 e 14h30); terças (04h30) e quartas (18h30).

Foto: Editora Panelinha