Vozes negras importam: Culinafro

Vozes negras importam: Culinafro
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Por Rita Lobo - 11 de setembro de 2020


Há 2 meses, toda sexta você conhece aqui o trabalho de uma pessoa negra. Hoje, para comemorar esse marco, convidamos um grupo incrível que pesquisa a culinária de matriz africana na UFRJ-Macaé. Conheça (e siga!) o @culinafro_ufrj e o pessoal que integra o grupo. O grupo compartilhou conosco duas receitas bem interessantes e cheias de história.

CONHEÇA TODOS OS CONVIDADOS DE VOZES NEGRAS IMPORTAM

"O @culinafro_ufrj é um grupo de extensão e pesquisa do curso de Nutrição da UFRJ-Macaé, coordenado pela profª @ruterscosta e composto por estudantes, profissionais e professoras.


Nasce do sonho de tornar a culinária de matriz africana o prato principal da promoção da alimentação saudável. Tomamos os elementos da cosmovisão africana e da educação popular como nossas referências contra-coloniais ao discurso sintético do saudável. E a autonomia culinária, cunhada por Mariana Fernandes (@marianafbo), como ferramenta para um discurso e prática culinária onde a pessoa é convidada a "pensar, decidir e agir" na cozinha.


Em 2014, início da caminhada, nos deparamos com um silêncio ensurdecedor ou com narrativas distorcidas e estigmatizantes da culinária de matriz africana. Por esse motivo, investimos em pesquisas.


Em 2018, a integrante Debora Lima investigou a comida de matriz africana da cidade de Macaé/RJ, através das narrativas de mulheres negras macaenses. As cozinhas das participantes se conectavam com a história da cidade, os locais de produção e comercialização dos alimentos, os quintais e as redes de trocas. Utensílios, técnicas, alimentos e preparações apontavam para uma comida de verdade.


No mesmo ano, a integrante @gisellems11 investigou as práticas de cuidado das mulheres quilombolas da Comunidade Remanescente de Quilombo (CRQ) Machadinha (Quissamã/RJ), o @quilombomachadinha, e descobrimos um universo singular que relaciona a terra, os seres e os alimentos. As cozinheiras quilombolas, como Dona Preta, se tornaram nossas mestras da cozinha tradicional de matriz africana. Quanto aprendizado!


Em 2018, levamos as preparações aprendidas para a sala de aula da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e experimentamos a riqueza do processo de educação mediado por uma comida que comunica ancestralidade, pertencimento, cultura, memória e história da população negra. Como resultado, a integrante @luuanacunha_ elaborou um caderno educativo sobre Direito Humano à Alimentação Adequada.


Em 2019, realizamos uma pesquisa participativa sobre a comida e cozinha quilombola, na escola localizada no @quilombomachadinha. Participaram @celia_patriarca, @isaambertt, @gui.areias, @ma.ludique, @thaisstephany_, @leila.manhaes, @sh3llmoon, @analuciamds e @maryaclaraaa. Os resultados serão publicados, em breve, num livro de experiências saborosas.


Em 2020, @adriana.alternativa, @cha.com.k, @lislainemachado, @aina_gomes, @ruterscosta, @jessica_navegando e @marianafbo1 estão realizando testes e adaptações das receitas do nosso acervo de comidas africanas, privilegiando os ingredientes produzidos pela agricultura familiar de Macaé e Região. Tem sido uma experiência saborosa e reveladora, a exemplo do docinho “cajumilho” (receita que compartilhamos neste post, abaixo).


O Culinafro agradece a oportunidade de compartilhar suas experiências e enunciar outras narrativas sobre a comida e a cozinha brasileira de matriz africana, um lugar de resistência e potência de vida.


Na foto, da esquerda para a direita (de cima para baixo): Barbara Marques, Profa Célia Patriarca, Léia Castelo, Profa Kátia Mendes, Psicóloga Fabiane Gonçalves, Isabelle Reis, Maria Luiza Castro, Leila Manhães, Jéssica Silva, Rute Costa, Lislaine Machado, Nutricionista Luana Cunha, Marya Clara Barbosa, YaraRangel, Giselle Silva, Profa Mariana Fernandes, Nutricionista Étienne Madureira, Profa Adriana Silva, Brenda Generoso, Thais de Oliveira, Nutricionista Ana Lúcia Muniz, Nutricionista Debora Lima, Guilherme Areias, Profa Ainá Innocêncio."

O Cajumilho


O @culinafro_ufrj, grupo que pesquisa a culinária de matriz africana, apresenta o cajumilho, um docinho inspirado na receita mougoudougou, de Burkina Faso. Para saber mais sobre a pesquisa do grupo, veja o post aqui ---> @RitaLobo.


"O cajumilho é uma das receitas mais apreciadas do nosso acervo de comidas africanas, tanto pelo sabor envolvente quanto pela facilidade no preparo. O preço é acessível e tem gosto de festa de família.


Utilizamos o amendoim e o gengibre produzidos pela Dona Tereza, agricultora do loteamento Andorinhas, Cantagalo, Rio das Ostras/RJ.

A compra direta com pequenas(os) agricultoras(es) é uma forma de valorizar quem produz alimentos sem veneno e a um preço justo. Quando fazemos essa opção, estimulamos a produção local, promovemos a segurança alimentar e nutricional e fortalecemos a economia local.

Neste momento de pandemia, vimos a fragilização de agricultoras e agricultores, devido à impossibilidade de escoamento da produção agroecológica e da ausência do amparo emergencial previsto no PL 735, no sentido de mitigar os impactos socioeconômicos causados pela Covid-19. Apesar de receber aprovação pelo Senado e Congresso Nacional, o referido PL foi vetado pela Presidência da República. E nessa hora, mais do que nunca, precisamos fortalecer a rede de produção de alimentos de verdade. “Se o campo não plantar, a cidade não janta!” é o que temos aprendido.


Ingredientes


Mesmas medidas de:

- milho fino pré-cozido;

- pasta de amendoim caseira;

- açúcar.

(Usamos uma xícara de chá de cada ingrediente)

Para temperar e dar um gosto especial, você pode colocar gengibre fresco ralado a gosto.
(Usamos 2 colheres de sopa de gengibre ralado).


Como preparamos:


Se puder, faça sua própria pasta de amendoim! Basta torrar levemente o amendoim cru na panela ou aquecer o amendoim que se compra já torrado. Escolha aquele que for mais fácil para você. Com o amendoim ainda quente, você pode usar o processador, liquidificador ou pilão para bater até formar uma pasta. Daí, é só misturar bem todos os ingredientes em uma bacia e fazer bolinhas. Se quiser, pode decorar com pedacinhos de amendoim ou envolver as bolinhas em amendoim triturado.


Aproveite!


Receitas preparadas pelas integrantes do Culinafro: @cha.com.k, @adriana.alternativa e @jessica_navegando

Sopa de Leite de Dona Preta


O @culinafro_ufrj, grupo que pesquisa a culinária de matriz africana, compartilha uma preciosidade com a gente hoje, a receita de "sopa de leite" de Dona Preta, cozinheira, quilombola e mestre de jongo. Para saber mais sobre a pesquisa do grupo, veja o post no perfil da @RitaLobo.

O @culinafro_ufrj compartilha, com alegria, a “sopa de leite”, uma receita ancestral ensinada por Dona Preta. Aos 86 anos de idade, é mestre do grupo de Jongo “Tambores da Machadinha”, cozinheira de casa e conhecedora de matos de cuidar. Quilombola nascida e criada em Santa Luzia, núcleo comunitário do @quilombomachadinha, Quissamã/RJ .


Receita criada pelos escravizados da Fazenda Machadinha, esse escondidinho de carne seca refogada, coberta com pirão de farinha de mandioca feito com leite era uma forma criativa de comer carne sem que houvesse retaliação dos senhores de engenho.


Dona Preta não tem medida tabelada, usa os olhos, aciona os sentidos do corpo e, assim, determina a proporção e a consistência que mais lhe agrada. O Culinafro fez essa sugestão de ingredientes, mas você pode se conectar com a comida e ir descobrindo o modo que mais lhe agrade.


Ingredientes

1 medida de farinha de mandioca torrada
3 medidas de leite
Carne seca (suficiente para cobrir o fundo e ser escondida pelo pirão)
Óleo ou azeite para refogar
Cebola a gosto
Queijo parmesão ralado a gosto

Como Dona Preta prepara essa receita:


Recheio

Primeiro ela deixa a carne de molho na água na geladeira, trocando a água de tempo em tempo até retirar o excesso de sal. Antes de levar à panela ao fogo, ela escorre a água salgada e, com nova água, cozinha a carne na panela de pressão por, pelo menos, 20 minutos ou até que esteja bem macia para ser desfiada. Dona Preta gosta de desfiar quase que fibra a fibra, fazendo fios de carne bem soltinhos. Depois, ela aquece uma panela, coloca pouco óleo e refoga com bastante cebola em tiras.


Pirão

Quando o recheio está pronto, Dona Preta faz o pirão. Com a panela ainda fora do fogo, ela dissolve a farinha de mandioca torrada com o leite. Depois, cozinha em fogo baixo, sempre mexendo. Se precisar, ela adiciona mais leite até que o pirão esteja soltando da panela e com a consistência grossa. Esse é o ponto certo.


Montagem

Em um recipiente, Dona Preta começa colocando a carne refogada e cobre com todo o pirão. A carne fica escondidinha. Pode adicionar queijo parmesão ralado por cima e gratinar, se gostar. Sirva quente e aproveite!


Se preferir, você pode colocar um pouco de sal no pirão e outros temperos no refogado.


Fotos de @gui.areias e @adriana.alternativa