Uma convocação

Uma convocação
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Por Rita Lobo - 08 de março de 2023


Antes de chegar ao assunto deste post, já quero deixar claro: estou muito feliz onde estou! Mas a gente vive em sociedade e não adianta olhar só pra si ou só pra frente: a gente tem que olhar pros lados. E o fato é que o reconhecimento profissional, pras mulheres, ainda é muito... capenga.

Hoje, vou sair do papel de chef, de comunicadora, pra falar como empresária. Como o assunto do Panelinha é considerado feminino e, por isso mesmo, menos importante, muita gente nem se dá conta de que o Panelinha é uma empresa. E ainda por cima é uma empresa com um propósito, o que deixa as pessoas mais confusas – porque o resultado financeiro não é a nossa única medida de sucesso!

Assista ao vídeo!

A empresa Panelinha

O Panelinha, além de site, é uma editora de livros, uma produtora de audiovisual com estúdio próprio, é uma escola de ensino à distância em parceria com o Senac, e é marca de produtos pra mesa, o Acervo Panelinha. Isso sem falar na produtora de conteúdo digital multiplataforma, que tem o canal no Youtube e toda a presença nas redes sociais.

Esse mês o site completa 23 anos. Nesse tempo todo, minha equipe e eu já entramos em milhões de casas. E desde sempre o nosso objetivo foi muito claro: levar as pessoas pra cozinha e melhorar radicalmente a alimentação delas. Seja com o site, com os livros, com os cursos. E também com os mais de 400 episódios do Cozinha Prática, que é produzido pelo Estúdio Panelinha.

Modelo de negócio

E tenho muito orgulho de dizer que fizemos tudo isso sem depender de patrocínio de produtos ultraprocessados. Até os meus amigos acham isso espantoso. "Como assim? Você não montou esse negócio pra ganhar dinheiro com propaganda? Ué, quem faz propaganda em site de culinária é marca de comida."

Comida… até parece...

O Panelinha defende a comida de verdade desde antes de o termo "ultraprocessados" existir. A gente mostra que cozinhar faz bem pra saúde, pro bolso e pras relações sociais. E ensina o passo a passo das receitas – e dessa transformação. A gente mostra pras pessoas que a cozinha é um lugar que ocupa um espaço na nossa vida muito maior do que aquele espaço, que pode até ser bem apertado, onde a gente prepara as refeições. Quem cozinha sabe que até a menor cozinha, quando usada, fica gigante. Um lugar generoso, perfumado, saboroso e cheio de gente.

Agora me diz: como é que o Panelinha poderia se propor a fazer esse trabalho tão profundo só da boca pra fora? Como é que eu entraria na casa das pessoas e convenceria tanta gente a cozinhar se eu chegasse fazendo propaganda de caldo em cubinho, margarina, maionese, lasanha congelada, refrigerante? Seria incoerente.

Por isso, pra surpresa dos meus amigos, eu ainda tive que não só montar um negócio como inventar um mercado, um jeito diferente de trabalhar. Foi uma necessidade. Justamente por ter um propósito.

Além de criar o Panelinha, tive que inventar um mercado, um jeito diferente de trabalhar.

Como empresária, tive que encontrar soluções para manter o Panelinha rentável. Quando lancei o primeiro livro, as pessoas do mercado logo me avisaram: olha, no Brasil ninguém ganha dinheiro com isso. Mas como o meu objetivo principal era levar as pessoas pra cozinha, eu lancei o livro. E ele foi muito bem em termos de venda. Isso me deu uma ideia: e se eu fizesse uma editora? Mais do que isso, e se eu fizesse, em vez de apenas livros, projetos superdemocráticos que tivessem vídeos no YouTube, receitas disponíveis no site? E isso foi uma grande novidade no mercado editorial. Assim criei a Editora Panelinha, que já publicou 15 títulos.

Clique aqui para saber tudo sobre os meus livros.

Enfim, posso passar horas explicando cada escolha de negócio que fiz ao longo desses anos. Ou falar do convênio formal que o Panelinha tem com o Nupens, o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, porque nem todo mundo se dá conta de que por trás de cada um dos nossos projetos tem muito embasamento científico.

Reconhecimento x realização

Mas não é esse o ponto. O que eu quero é provocar uma reflexão sobre o reconhecimento profissional das mulheres, a partir desse tanto que eu já fiz. Todas nós podemos ter orgulho das nossas realizações. Não é proibido, tá?

Meu site tem 23 anos. Já vendi bem mais do que um milhão de livros no Brasil. O programa de televisão que criei, produzo e apresento está indo para a 25ª temporada. Ajudei a criar o mercado editorial de culinária no Brasil. Se eu fosse homem, você acha que as pessoas me enxergariam da mesma forma?

Por mais que eu sempre mostre os bastidores do estúdio Panelinha, da minha equipe trabalhando, as pessoas têm dificuldade de assimilar que uma mulher que ensina a cozinhar é também uma empresária. E não só as pessoas, o mercado tem essa mesma dificuldade de entender que eu produzo o programa, no meu estúdio, com a minha equipe, produzo, edito e publico os meus livros. Enfim, eu tenho a impressão de que, se eu fosse homem, esse reconhecimento não seria difícil.

As pessoas têm dificuldade de assimilar que uma mulher que ensina a cozinhar é também uma empresária.

Acho até que, talvez, por eu ter criado um site de sucesso há mais de duas décadas, se eu fosse homem, seria reconhecido como um empreendedor pioneiro. Por ter criado uma editora tão democrática, talvez fosse visto como um empresário responsável. Por defender a comida de verdade, inclusive abrindo mão de ganhar dinheiro com a indústria de ultraprocessados, seria visto como um empresário com propósito. E por o Panelinha melhorar a alimentação de tantos brasileiros, seria considerada uma empresa com impacto social.

Uma convocação

Enfim, eu não estou reclamando. Obviamente me sinto realizada. O Panelinha, afinal, leva milhões de pessoas para a cozinha. Mas olha o tanto que, em termos de gênero, a nossa sociedade ainda precisa caminhar…

O que estou fazendo aqui não é uma provocação. É uma convocação. Pra você também ter orgulho de você mesma. E não só olhando pra frente. Mas pros lados, dando as mãos pras mulheres, e também pra trás, reconhecendo as mulheres que fizeram com que você e eu pudéssemos até olhar pra frente.