Hora de virar a chave!

Hora de virar a chave!
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Por Rita Lobo - 10 de março de 2023


Esses dias, ouvi o rabino Ruben Sternschein falando sobre tradições de um jeito muito interessante. Primeiro, ele questionou uma ideia – que é muito enraizada em comunidades mais tradicionais – de que tudo no passado era melhor. “Mas, no passado, as pessoas morriam de gripe, não só Covid. Isso não é bom. No passado, as mulheres não votavam. E ninguém quer isso: nem pra si, nem pros filhos, nem pros netos, nem pra seus inimigos”, ele opinou.

O objetivo era fazer todo mundo questionar o sentido das tradições. Ele disse que fazer as tradições somente para manter as tradições é bonito. Mas é perigoso. Porque a gente não melhora. Não evolui. Tudo fica como está. Inclusive o que é ruim. E esse é o caminho pra se tornar medíocre.

Questionar o sentido das tradições aponta para maneiras de evoluir.

Claro que imediatamente relacionei esse pensamento com o meu assunto, que é a cozinha. E essa análise faz todo o sentido no campo da nutrição.

Assista ao vídeo!

Comida caseira

Tradicionalmente, as mulheres são responsáveis pela alimentação. E isso até poderia fazer algum sentido quando só os homens saiam para trabalhar. Mas esse era um universo muito limitado e até injusto. Não por acaso, a cozinha foi se tornando um símbolo de opressão para muitas mulheres.

Hoje, sabemos que a comida de verdade, feita em casa, a partir de alimentos que vêm da natureza – e não da fábrica –, é fundamental pra saúde das pessoas, das famílias, das populações. Mas o preparo dessa comida não pode mais ser responsabilidade apenas das mulheres. Simplesmente não dá mais, porque o mundo mudou. As mulheres trabalham tanto quanto os homens, e as famílias se alimentam cada vez pior. Só que parece que a sociedade está com muita dificuldade de virar essa chave – ela travou na porta e muita gente não consegue sair desse lugar!

Quem vai cozinhar?

Vou contar aqui uma história real, com jeitão de fofoca. Mas é perfeita pra ilustrar uma ideia. Um amigo que trabalha na ONU estava numa reunião em Nova York pra discutir soluções globais pra epidemia de obesidade. Num dado momento, ele comentou que nas regiões em que as pessoas cozinham mais, os índices de obesidade são menores – porque o consumo de ultraprocessados é mais limitado.

Corta para o coffee break. Conversinha de corredor. Ele ouve um grupinho comentando como ele era machista: que coragem desse fulano mandar as mulheres pra cozinha nos dias de hoje!

Opa! Ele não disse isso, mas até profissionais que trabalham com políticas de saúde pública não conseguem visualizar que cozinhar não é obrigação exclusiva da mulher. Não conseguem imaginar que todos na casa podem cozinhar.

Parte de uma cultura

Tradição boa é tradição que continua fazendo sentido. E comer comida de verdade é uma delas. No Brasil, o nosso chamado padrão alimentar tradicional é super balanceado. É melhor até do que a dieta mediterrânea, porque é composto por alimentos abundantes por aqui.

Em termos de alimentação, diferente dos americanos, os brasileiros têm pra onde voltar. A nossa dieta brasileira, simbolizada pelo arroz com feijão, duas hortaliças e um pedaço de carne pra quem come, nutricionalmente falando é perfeita. Só fica faltando a fruta, que pode ser a sobremesa. Pronto, a gente tem os cinco grupos alimentares que compõem uma dieta balanceada, sem precisar quebrar a cabeça com calorias, nutrientes, pontos e o escambau a quatro.

Sabor de pertencimento alimenta para muito além do corpo. Ele nutre a alma.

Fora que essas tradições culinárias, como todas as boas tradições, enriquecem culturalmente a vida, porque fazem com que a gente faça parte de um grupo. A gente é mais brasileiro porque come o bom e velho pê-efe, o prato feito. E esse sabor de pertencimento alimenta para muito além do corpo. Ele nutre a alma.

Hora de virar a chave

O preparo da comida ser obrigação das mulheres é uma tradição ruim. Nem faz mais sentido nos dias de hoje. E se as pessoas não virarem essa chave, a saúde das famílias, das populações, vai ficando cada vez pior. Porque a tendência é aumentar o consumo de ultraprocessados, que é a comida de mentira, cheia de aditivos químicos, sem passado nem futuro.

O rabino Ruben, terminou a prédica dele falando que as tradições devem ser pensadas com empatia, mas também com crítica. E ele está certíssimo. Porque ser medíocre atrapalha até a alimentação.

Uma receita

E como tradição boa a gente mantém, pra homenagear a tradição judaica, e o rabino, quero sugerir uma receita: você já preparou latkes? Esses bolinhos de batata com cebola são deliciosos, crocantes e superversáteis. Ficam uma delícia com peixe, como salmão assado. Será que dá pra modernizar e fazer na AirFryer? Quem fizer me conta. E quando eu fizer conto todos os segredos aqui.

RECEITA: LATKES DE BATATA