Com mulheres exaustas e homens acomodados, a alimentação piora

Com mulheres exaustas e homens acomodados,  a alimentação piora
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Por Rita Lobo - 08 de março de 2024


No dia de hoje, que é o Dia Internacional das Mulheres, imagino que você vá ver muitos dados em matérias e postagens sobre desigualdade de gênero, sobre como as mulheres continuam tendo menos escolhas e oportunidades do que os homens. Seja em relação a diferença salarial, que chega a ser de 20% a menos pra mulheres em cargos semelhantes a homens na mesma empresa, ou até das dificuldades que todas nós enfrentamos no mercado de trabalho, que são mais difícil de quantificar. É aquela história:

Ele é assertivo, ela é grossa;

Ele é ousado, ela é louca;

Ele se impõe, ela é descontrolada;

Ele é comunicativo, ela é escandalosa;

Ele é contestador, ela é reclamona;

Ele tem perfil de liderança, ela é muito mandona.

Com isso, no ambiente corporativo, as mulheres são menos promovidas que os homens. Mas, enfim, esses estudos você vai encontrar em muitos lugares. São dados da FGV, do IBGE, do Fórum Econômico Mundial.

Na cozinha

Mas, aqui vou falar sobre a cozinha. Óbvio que eu vou falar sobre a cozinha, né?

Parece que quando o assunto é o ambiente doméstico, e não o corporativo, muita gente acha que é menos importante, como se a falta de divisão de tarefas, por exemplo, não impactasse diretamente a vida das mulheres. E das famílias!

Tratam como se cozinhar, lavar roupa, arrumar a casa, fazer faxina no banheiro, enquanto o cidadão tá assistindo ao jogo de futebol, fosse um assunto desimportante, que não merecesse entrar nessa luta em relação aos direitos das mulheres.

Trabalho invisível

Esse tipo de estudo de gênero, na realidade, é tão importante que hoje tem até nome. Você já deve ter visto por aí o termo trabalho invisível, que é justamente esse trabalho de cuidado não remunerado, mas que viabiliza o trabalho “fora de casa”. De acordo com a OXFAM, no mundo, esse trabalho feito por mulheres, e meninas também, corresponde a uma quantia de 10 trilhões de dólares por ano.

É óbvio que, com as mulheres exaustas e muitos homens acomodados num lugar de privilégio dentro de casa, a alimentação das famílias piora muito.

Se a alimentação não é responsabilidade de todos os adultos, a alternativa que tá à mão é a dos ultraprocessados, da comida pronta pra consumo, cheia de aditivos químicos e desbalanceada nutricionalmente.

Ultraprocessados pioram a saúde

A ciência, baseada em evidências, já mostrou pra gente que nos lugares onde o consumo de ultraprocessados é maior, a saúde das pessoas piora drasticamente. Tanto que essa semana foi assinado um decreto que proíbe a compra de ultraprocessados pras cestas básicas dos programas de políticas públicas relacionadas à alimentação.

O caminho é esse
Nas casas, pra que as famílias comam comida de verdade, com homens e mulheres trabalhando fora, o melhor caminho é a divisão estruturada de tarefas.

Isso quer dizer que não é ajudinha. As coisas têm que ser combinadas. Cozinhar não é só colocar a carne na grelha no fim de semana. Tem que planejar o cardápio, escolher as receitas, fazer a lista de compras, fazer as compras, armazenar os alimentos, preparar os alimentos, porcionar e guardar o que vai ser servido em outras refeições (olha o planejamento aí!), servir a comida do dia, tirar a mesa, lavar a louça, limpar a cozinha...

A comida de verdade, feita em casa, além de ser saudável, tem uma série de outros benefícios. Ela alimenta muito além do nosso corpo. Ela tem a ver com a nossa história, porque é baseada em receitas passadas de geração a geração, que são cheias de memória afetiva. Tem a ver com a nossa cultura, porque são pratos feitos com alimentos abundantes nas regiões do país.

Muito além de alimentar o corpo
A comida de verdade alimenta as relações, porque ela estimula que as pessoas comam à mesa e compartilhem o mesmo alimento.

Esse é um assunto riquíssimo, extenso e complexo e eu não vou nem entrar aqui nas vantagens nutricionais. Isso é o que a gente faz todos os dias aqui no Panelinha.

Aliás, outro dia, uma seguidora muito simpática, por sinal, escreveu nos comentários que o filho de 40 anos dela, já com dois filhos, não sabia cozinhar. E ela estava muito preocupada com isso. Ela queria que eu fizesse receitas pra homens. Não é interessante como a ideia que a cozinha é lugar de mulher está enraizado na nossa cultura? Receitas podem ser usadas por homens, mulheres, pessoas de todos os gêneros. Então, eu vou aproveitar esse Dia Internacional das Mulheres pra falar com os homens: invadam a cozinha de casa! E não só hoje. O ano todo. A alimentação de todos vai melhorar. E sabe o que mais? As relações também ficam mais saborosas. Pense nisso.